Petrobras pagando tributo à Washington
por André Araújo
Por fatos ocorridos no Brasil entre brasileiros, a Petrobras está
sendo investigada e processada pelo Departamento de Justiça dos EUA.
Antes mesmo de uma acusação formal, a Petrobras, em atendimento aos
procuradores americanos da Divisão Criminal, chefiada por Leslie
Caldwell, contratou dois escritórios americanos para fazer uma
investigação de todos os contratos da Petrobras ao custo, até agora, de
R$ 400 milhões de honorários, apenas para essa investigação interna. Os
honorários dos advogados de defesa em Washington não estão nesse valor.
O Departamento de Justiça não enviou ainda o processo à Justiça, a
regra lá é fazer acordo com o Departamento para evitar que o processo vá
a julgamento. Nesse caso, o valor do acordo é estimado em torno de US$
2,6 bilhões. Assinado um acordo com a PETROBRAS, a questão não estará
terminada. A PETROBRAS deverá aceitar ser monitorada por 10 anos por um
escritório aprovado pelo Departamento de Justiça, que obviamente será
americano.
Essa história é toda surreal e muito pouco debatida no Brasil.
Os pontos significativos desse caso são:
1. A PETROBRAS não está, por definição, sujeita à jurisdição
americana da Lei Foreing Corrupt Practices Act de 1973, que tem como
alvo empresas americanas que praticam corrupção no exterior. A Petrobras
não é empresa americana e não praticou atos de corrupção no exterior,
ela foi vitima de corrupção no Brasil.
A PETROBRAS está, porém, sujeita às regras e processos da Securities
and Exchange Commission relativamente à publicação de balanços porque,
ao listar suas ações em bolsas americanas, aceitou as condições
estabelecidas pela SEC. Assim sendo, não se contesta os procedimentos da
SEC relativamente a infringência de regras aceitas pela PETROBRAS.
Portanto, processos no Departamento de Justiça e na SEC são duas questões distintas e assim devem ser tratadas.
2.A PETROBRAS é empresa sob controle do Estado brasileiro, empresas
estatais são tradicionalmente consideradas nos EUA uma extensão do
Estado. Sendo o Brasil um Estado aliado dos EUA, e não inimigo, seus
entes são geralmente imunes à jurisdição americana a não ser em
situações especialíssimas.
Quando a jurisdição americana atinge
empresas estatais de outro País tal ação é considerada ato de
hostilidade, como foi no caso da NIOC National Iranian Oil Co.,
petrolífera estatal do Irã, que teve seus ativos bancários congelados
nos EUA por ocasião da crise dos reféns de 1979, ativos esses já
liberados após o acordo EUA-Irã de 2014. Não é da tradição legal e
diplomática americana processar empresas estatais de países aliados, por
serem consideradas extensão desses Estados amigos.
3.Não há base legal ou tratado internacional que permita ao Governo
dos EUA tomar sob sua jurisdição uma empresa estatal de Pais aliado sob
pretexto desta ter sido alvo de processo de corrupção no seu próprio
Pais. A Petrobras é empresa brasileira e os atos praticados contra ela o
foram no Brasil por brasileiros, não há como admitir jurisdição
americana sobre atos praticados no Brasil sendo sujeito passivo uma
estatal brasileira.
Custa a crer como o Estado brasileiro, representado pela Advocacia
Geral da União pode aceitar mansamente a tentativa de extensão
extraterritorial de jurisdição americana de que resultará a cobrança
pelo Tesouro americano de multa por infração de legislação americana,
cobrança que não tem lógica legal aceitável por Estado estrangeiro que
não está sujeito à legislação americana, que não tem como ser aceita por
outros Estados.
4.Estados importantes quando têm seus interesses agredidos por outros
Estados reagem diplomaticamente em vários graus e formas. No caso do
processamento da PETROBRAS em Washington não se conhece qualquer reação
diplomática do Estado brasileiro, maior acionista da PETROBRAS. Qualquer
agressão à Petrobras atinge frontalmente o interesse do Estado
brasileiro, não só por ser acionista majoritário da Petrobras, mas
também por ser a Petrobras executora do monopólio estatal do petróleo e
ser a empresa o maior contribuinte de impostos do Estado brasileiro.
Desconhece-se ALGUMA reação do Ministério das Relações Exteriores do
Brasil, quer por nota diplomática, quer por ação da Advocacia Geral da
União, contestando, não o mérito do processo, mas sim algo anterior, a
própria jurisdição do Departamento de Justiça. Na falta de qualquer
reação mais direta, não se soube de um telefonema do Embaixador
brasileiro em Washington ao Departamento de Justiça. O Estado brasileiro
aceitou ser processado, não contestou a jurisdição indevida e
desamparada de qualquer base de Direito Internacional.
5.Por analogia, quando o Governo João Goulart entrou em conflito com a
empresa de energia American & Foreing Power Co. que controlava a
distribuição no interior do Estado de São Paulo (CPFL- Cia.Paulista de
Força e Luz), o Governo dos EUA IMEDIATAMENTE correu em defesa da
empresa por violenta reação do Embaixador Lincoln Gordon. No limite,
esse conflito gerou apoio do Governo dos EUA à queda de Goulart.
Qualquer ataque à empresa americana no Brasil merecerá pronta reação
da Embaixada dos EUA e, se necessário, do próprio Departamento de
Estado. O Governo dos EUA é defensor intransigente de suas empresas fora
dos EUA.
Como é possível um violentíssimo ataque à uma empresa estatal
brasileira em Washington não merecer QUALQUER REAÇÃO do Governo do
Brasil, seu maior acionista?
Não houve reação diplomática, política, viagem do Ministro da Justiça
à Washington para enfrentar seu colega americano, telefonema do
Ministro das Relações Exteriores ao Departamento de Estado, visita do
Embaixador do Brasil à Divisão Criminal do Departamento de Justiça.
Nada! Absolutamente nada! Pelo visto o Governo brasileiro acha normal a
extensão extraterritorial da jurisdição americana. Pior ainda, a mídia
brasileira acha não só normal como muito bom e ainda elogia o Governo
americano (Programa Três em Um da Rádio Jovem Pan, Madureira diz "Olha
que bacana, foi o FBI também quem prendeu o Al Capone", como se o Brasil
fosse igual ao Al Capone.
6.No novo Governo Trump, o cargo mais importante do Gabinete, o de
Secretário de Estado, que está inclusive na linha sucessória da
Presidência dos EUA. será ocupado pelo presidente da maior petrolífera
americana, a Exxon Mobil, a mesma empresa que, em 2016, celebrou um
grande contrato com a petroleira estatal de Angola, a SONANGOL, para
exploração em conjunto do pré-sal angolano. A SONANGOL tem longo
histórico de corrupção sendo lá o ninho das maiores fortunas de Angola,
inclusive da presidente do Conselho da companhia, a filha do presidente
de Angola José Eduardo dos Santos, Sra. Isabel dos Santos, mulher mais
rica da África segundo a revista americana FORBES.
Para fazer esse contrato, a Exxon Mobil teve sinal verde do Departamento de Justiça?
Mas os EUA não são rigorosos com corrupção em países emergentes? E a
SONANGOL passou no teste? Curioso, deram sinal verde à SONANGOL e punem
pesadamente a PETROBRAS, sinal de que, para os EUA, Angola é mais
importante que o Brasil.
Ou talvez pior ainda, Angola sabe se fazer respeitar, enquanto o
Brasil oferece sua maior empresa estatal para ser açoitada em
Washington, sob aplausos de alguns brasileiros.
Andre Araujo
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