
A desfaçatez como método de governo
por Aldo Fornazieri
Desfaçatez é a qualidade de um desfaçado, daquele que não sente nem 
constrangimento e nem vergonha pelos seus atos condenáveis, publicamente
 assumidos. Trata-se daquele que, no senso comum, é conhecido como um 
cara de pau. Pois bem: Temer e, de certa forma, boa parte das 
autoridades que ocupam cargos superiores nos altos escalões dessa 
República destroçada, assumiram a desfaçatez como método de conduta e de
 governo. 
Não se trata mais de esconder a verdade, de enganar, de fazer um jogo
 ardiloso das aparências. Trata-se de assumir a corrupção e o crime como
 predicados normais de quem governa. Ser acusado, denunciado, processado
 é como que uma exigência curricular para se tornar ministro, ocupar os 
altos cargos de comissões no Congresso, ser presidente da Câmara e do 
Senado, assumir um posto de  conselheiro ou ministro de Tribunais de 
Constas, se tornar juiz do Supremo Tribunal Federal. Estes requisitos 
curriculares estão se espalhando nos estados e nos municípios e nos três
 poderes da República.
O descaramento e a impudência com que se manifestam autoridades, 
senadores, deputados e ministros chega a ser espantosa. Em democracias 
desenvolvidas, suspeitas e denúncias são suficientes para que uma 
autoridade pública se afaste do cargo ou renuncie ao mandato. Aqui, 
Temer avisa que denunciados e delatados permanecem no cargo. 
Veja-se o 
caso exemplar de Eliseu Padilha, hoje o ministro mais poderoso do 
governo. Além de denúncias relativas à Lava Jato teve milhões de reais 
bloqueados por um juiz do Mato Grosso, sob a acusação de ter cometido 
crimes ambientais. No Rio Grande do Sul e no STJ já foi condenado em 
definitivo a pagar um montante de R$ 393,76 a um corretor e vem 
protelando o pagamento. Naquele mesmo estado é acusado de grilagem de 
terras e é réu em processo por ter beneficiado uma universidade privada -
 a Ulbra (Universidade Luterana do Brasil) em troca de pagamentos 
milionários a duas empresas de consultoria do ministro, a Rubi e a 
Fonte. Padilha já ultrapassou o próprio critério inescrupuloso 
estabelecido por Temer e, mesmo assim, continua sendo o ministro mais 
poderoso da Esplanada, proclamando, com desfaçatez, que o governo usa 
como método transformar desqualificados e despreparados em "notáveis" 
ministros, como foi o caso do ministro da Saúde, outro acusado de ter 
cometido irregularidades no Paraná. 
A desfaçatez política e a corrupção estão destruindo o conteúdo moral
 das instituições e da sociedade. A falta de escrúpulos, de vergonha e 
de decorro transformou as instituições públicas num escombro de 
obscenidades. A honradez, a dignidade e a moralidade foram sacrificadas 
na corrida em busca do foro privilegiado, esse instrumento abjeto que se
 tornou abrigo de criminosos num Supremo Tribunal Federal que é um 
cemitério de processos contra corruptos. Hoje não resta dúvidas de que 
uma das maiores cobiças do núcleo duro dos golpistas dos partidos que 
fazem parte do condomínio governamental era colocar-se ao abrigo do foro
 privilegiado.
A nova face do mal
O atual governo é a expressão de uma nova forma de banalização do 
mal, não daquela forma referida ao totalitarismo e à sua violência 
desmedida, estudada por Hannah Arendt. A banalização do mal promovida 
pelo atual governo é francamente grotesca e despudorada, é a violência 
contra as convenções morais e civilizatórias, é a cruzada para mostrar 
que ser honesto é uma frivolidade de ingênuos e de despreparados para o 
exercício do poder político, pois este exige profissionais da corrupção.
 Os outros que caíram em função de acusações de corrupção teriam caído 
por serem amadores. 
Somente os profissionais, identificados no atual 
grupo de poder, teriam capacidade para estabilizar a governança corrupta
 no país, mantendo-o prisioneiro do atraso, da injustiça, da 
desigualdade e da pobreza às custas da riqueza de poucos. Os poucos, os 
grandes, os ricos teriam como direito consuetudinário os faustos 
proporcionados pela corrupção, as suas vidas de vícios, de esbanjamentos
 que têm em Sérgio Cabral um espécime exemplar deste tipo de conduta.
Para esses banalizadores do mal, não importam as misérias do povo, o 
desemprego, nos novos milhões de pobres, a indústria, a tecnologia, a 
ciência, a pesquisa e a cultura sem futuro. Quanto mais longe da 
modernização o país se encontre, mais longo será o império da corrupção,
 mais tempo haverá para saquear os cofres da res publica e para orientar os recursos dos orçamentos públicos em benefício dos mais ricos.
Este novo mal radical não vem pelos tanques, pelas bombas e pelos 
bombardeios. Ele vem pelo desemprego, mata à míngua, asfixia a velhice, 
retira a potência da esperança dos jovens, renega os direitos das 
mulheres e dos negros, drena o sangue dos pobres para pagar juros aos 
bancos e refestelar as mesas e as extravagâncias dos ricos. Este mal 
radical sonega os remédios e os leitos hospitalares, fecha escolas, põe 
cancelas ao acesso à educação superior aos pobres e destrói os centros 
de pesquisa.
Esta nova banalização do mal acredita que não tem limites no 
movimento de tornar a república e a democracia em letra morta, em formas
 sem conteúdo, em domínio exclusivo do capital. Este mal cria campos de 
concentração e de extermínio mentais e vivenciais, torna as pessoas 
supérfluas, não só pelo desemprego, mas pelas vidas vazias, pelas 
angústias e pelos medos de vidas sem futuro.
Hannah Arentd tinha razão: o mal radical não vem de figuras 
mitológicas que têm projetos e poderes fabulosos. Ele vem de figuras 
banais, até mesmo medíocres. Este governo está eivando de figuras 
banais, desprovidas de qualquer senso se grandeza. Figuras como Temer, 
Jucá, o gato angorá, os Moraes, os Quadrilhas, e tantos outros, todos 
acompanhados por um grande séquito de deputados senadores que o mundo 
conheceu bem suas índoles no fatídico 17 de abril de 2016.
A questão desta nova banalidade do mal não é apenas moral sem deixar 
de ser moral. Ela é política e remete para a necessidade de compreender 
como o Estado brasileiro, ao longo dos tempos, produziu e vem produzindo
 uma elite política e uma elite econômica que, indubitavelmente, querem o
 mal do povo e o atraso do país. A resiliência desse atavismo perverso 
pode ser encontrada na genética maldosa das nossas elites que nunca se 
habilitaram para a grandeza e para a responsabilidade, mas que fizeram 
do assalto, da violência, da expropriação e do saque um método para 
governar para poucos.
 
  



