Texto de André Araújo publicado originalmente no Jornal GGN que mostra que hoje não passamos de mera colônia americana. É leitura imprescindível e fica o registro para a História: 
Por André Araújo
Dos comentaristas do blog, sou o que menos pode ser acusado de 
anti-americanismo. Nasci alimentado pelo governo dos EUA, meu pai era 
funcionário da Rubber Reserve Company em Manaus durante a Segunda Guerra
 e o supermercado da companhia era abastecido diariamente por 
hidroaviões que vinham de Miami. Minha mãe passou toda infância e 
adolescência nos EUA, tenho seis primos irmãos americanos natos, irmã, 
sobrinhos, cunhado, tios e tias morando lá, a maior parte da minha 
família tem raízes  nos EUA desde o século XIX, comecei minha vida no 
CitiBank, fui depois executivo principal de filiais brasileiras de 
multinacionais americanas. 
Não tenho portanto viés anti-americano o que me dá legitimidade 
para enxergar uma situação anômala, absurda, esdrúxula que está 
ocorrendo em um quadro que significa a colonização do Brasil pelos 
Estados Unidos em um grau que jamais ocorreu nos quase dois séculos de 
existência do Estado brasileiro, situação que parece não incomodar 
minimamente o Governo, a mídia e a sociedade brasileira, pelo menos 
naquela que deveria ser  a consciência de Nação. 
Como é possível que o Departamento de Justiça dos EUA tenha 
jurisdição inexplicável sobre empresas e cidadãos brasileiros sobre 
fatos ocorridos no Brasil entre brasileiros ou ocorrida em terceiros 
países entre brasileiros e governos daqueles países? Onde entra os EUA 
aí? Quem conferiu ao Governo dos EUA autoridade sobre empresas e 
cidadãos brasileiros que praticaram delitos de corrupção no Brasil  ou 
na América do Sul? Com base em que tratado o Departamento de Justiça 
pode processar e aplicar penas e multas a pessoas físicas e jurídicas 
brasileiras, cobrando valores bilionários que ficam como lucro para o 
Tesouro dos EUA? Tomam esse dinheiro a título do que? Prejuízos aos EUA?
  Que prejuízo os EUA tiveram com corrupção no Brasil ou no Peru ou no 
Equador?
São delitos que não foram cometidos nos Estados Unidos e que não 
prejudicaram nem o Governo americano e nem seus cidadãos, nem suas 
empresas, então estão querendo dinheiro em função do que? O Brasil está 
indenizando qual dano aos EUA?
A Lei Foreing Corrupt Practices Act de 1973 é uma lei americana e 
não uma lei universal, não pode ser exportada para outros sistemas 
jurídicos. Há ordenamentos jurídicos internacionais visando combater 
corrupção, terrorismo, tráfico de drogas, tráfico de armas, de pessoas, 
de animais, mas esses ordenamentos são de entidades supranacionais e não
 de um País e, mesmo assim, não se auto-aplicam, é preciso que cada 
sistema jurídico de cada país recepcione esse ordenamento 
internacional. 
A Lei FCPA não é um ordenamento internacional, é uma lei americana e
 só vale para empresas americanas ou lá sediadas, não se aplica ao mundo
 e a países que tem legislação própria. Mas os EUA estão entendendo que 
sua lei vale para o mundo inteiro, o pior é que tem países, poucos 
aliás, que aceitam esse delírio, e o Brasil é um deles. 
Não vi outros países entrando nessa conversa. Não é o caso de 
empresas estrangeiras que tem extensas operações nos EUA, como 
Volkswagen, Alstom e Siemens, nesse caso a lei americana se volta a quem
 tem subsidiárias importantes nos EUA e, a partir dessa base, a lei se 
aplica, porque fatos e delitos ocorreram dentro dos EUA ou a partir dos 
EUA.
Ao que tudo indica, no Brasil, porque ninguém conta a história 
toda, não se sabe como se formou o processo na Divisão Criminal do 
Departamento de Justiça, não se sabe bem por quem ou porque esse caso 
foi parar em Washington, ou porque as empresas brasileiras estatais e 
privadas viraram caça livre dos procuradores americanos, quando não se 
vê empresas mexicanas, argentinas, peruanas ou muito menos africanas, 
árabes e asiáticas sendo alvos do citado Departamento.
Porque só as empresas brasileiras seriam pecadoras?  A Odebrecht 
sequer é empresa com ações em bolsas americanas, tem obras nos EUA mas 
essas obras não tem relação com seus negócios em outros países ou no 
Brasil, e portanto não há razão alguma para ser processada pelo Governo 
americano. 
A Odebrecht não subornou funcionários americanos, não cometeu 
delitos em obras públicas dos EUA, o que tem a ver o Departamento de 
Justiça com a Odebrecht no Peru? 
Essa intromissão do Departamento de Justiça está baseada em que 
princípio legal se a empresa, os executivos, os fatos não aconteceram 
nos EUA? Refiro-me aqui EXCLUSIVAMENTE sobre os processos do 
Departamento de Justiça por infração a Lei Foreing Corrupt Practices Act
 de 1973, não me refiro a processos civis de acionistas e nem a 
processos por jurisdição eleita da Securities and Exchange Commission 
(SEC), em casos em que as empresas aceitam previamente o julgamento de 
tribunal americano.
Pessoas leigas, mesmo jornalistas, não entendem essas diferenças e 
misturam os contextos, são casos completamente diferentes, por causa da 
listagem em bolsa americana de suas ações, a Comissão de Valores 
Mobiliários dos EUA (SEC) tem jurisdição válida sobre empresas 
brasileiras que tem ações na bolsa de Nova York e pela mesma razão 
acionistas minoritários americanos podem recorrer a tribunais americanos
 contra essas companhias. 
Não é o caso do Departamento de Justiça, que estou a tratar aqui 
por considerar inexistente jurisdição extraterritorial americana sobre 
casos ocorridos fora dos EUA. 
O fato é que não há base legal alguma a não ser a vontade desse 
Governo em controlar atividades de grandes empresas estratégicas não 
americanas mesmo que não tenham raízes nos EUA. 
Não há base no Direito Internacional, não há base em Tratados, o 
chamado Acordo de Cooperação Judiciária Brasil EUA de 2001 não dá nenhum
 amparo para extensão de jurisdição extraterritorial e, mesmo que fosse 
possível, há uma cláusula de imunidade que pode ser invocada pelo Estado
 brasileiro para temas de "interesse essencial" de cada Estado.
O Acordo é para um Estado pedir colaboração a outro, não é para um 
invadir território jurisdicional do outro contra a vontade deste. Essa 
extensão jurisdicional sobre empresas e pessoas estrangeiras pode ser 
tentada pelo Governo dos EUA, mas não há porque ser obedecida, a 
tentativa teria que ser in limine rejeitada pelo Governo do Brasil 
inclusive com apelo à Corte Internacional de Haia para firmar limites. A
 própria tentativa de processar pode não ser aceita por ser ilegal e 
deve ser resistida.
No caso da Petrobras, Embraer e Odebrecht o processamento e 
aplicação de multa não tem base legal e deveria ter sido rejeitada 
porque os fatos se passaram fora dos EUA e este País não tem jurisdição 
sobre esses fatos. Como é possível o Departamento de Justiça cobrar 
indenização sobre delitos praticados em terceiros países pela Embraer e 
Odebrecht e ficar com essas multas ao invés de repassá-las para esses 
países prejudicados?  
A que título o Governo americano cobra e retém esses valores, se o 
Governo americano não foi atingido ou prejudicado por essa corrupção? 
Trata-se então de polícia do mundo? Também é polícia da China, da 
Rússia? Ah, aí não, porque eles não deixam. 
É possível a criatividade do Departamento de Justiça inventar 
jurisdição a partir de qualquer liame arbitrário, porque usou dólar, 
porque usou banco americano, porque usou a internet, porque o executivo 
tomou Coca-Cola, eles são criativos para jogar sua malha pelo mundo. 
E não me venham com tecnicalidades. Amigos e parentes que são 
sócios de escritórios de advocacia "globalizados" me retrucam: "Ah mas 
lá a lei se aplica a tais casos”. E daí? Conteste-se, sempre contestar, 
não precisa abaixar a cabeça, cada lei tem mil interpretações, os 
procuradores americanos podem achar qualquer coisa, mas a parte 
contrária tem que contestar sempre, especialmente contestar a jurisdição
 da lei americana sobre casos ocorridos no exterior. 
Já contei aqui o caso da subsidiária francesa da Dresser 
Industries, uma multinacional americana que foi impedida por Washington 
de fornecer compressores para gasodutos russos que tinham como destino a
 Alemanha. O Governo francês nacionalizou a filial francesa da Dresser 
para manter o contrato com a Rússia. A postura do Governo do Brasil 
nessa questão parece partir do princípio que é uma questão privada das 
empresas e que não diz respeito ao governo brasileiro, por essa razão 
sequer o Itamaraty tomou defesa das empresas brasileiras, como faria 
qualquer chancelaria do mundo. 
Quando o Presidente Temer esteve no Japão, em Setembro, a primeira 
manifestação viva voz do Primeiro Ministro japonês foi a de protestar 
pelo envolvimento de empresas japonesas na Lava Jato. O dirigente 
nipônico estava visivelmente contrariado e fez a mais enfática defesa 
das empresas de seu País. 
A postura do governo do Brasil, não só o presente governo mas 
também o governo passado, de não se envolver, é incompreensível. Não é 
uma questão privada, é uma questão de Estado. Parece que o governo do 
Brasil não tem noção clara do que é um Estado nacional.
Ainda que se pudesse defender que é um problema privado no caso das
 empreiteiras, no caso da Petrobras o interesse do Estado brasileiro é 
direto, é o seu patrimônio, reputação e futuro em jogo, é um confronto 
de jurisdições e isso diz respeito ao Estado. 
Quando eu era CEO de uma subsidiária de multinacional americana no 
Brasil, recebia declarações para assinar obrigando a cumprir o embargo a
 Cuba e cumprir a FCPA, quer dizer, um brasileiro ser obrigado a cumprir
 a lei americana no Brasil, se não assinasse estava fora.
Esses "sistemas" de extrapolação de jurisdição é portanto coisa 
antiga e só tem aumentado, mas o governo de um grande País pode brecar 
essa tentativa por ser ilegítima, mas, para isso é preciso querer e é 
coisa de governo, empresa e indivíduos isolados não tem meios de 
enfrentar, é uma questão de governo. 
Ao final da Segunda Guerra havia 1.200.000 soldados americanos na 
Inglaterra, à espera da invasão do continente europeu. O Exército 
americano queria aplicar a lei americana de segregação racial que 
impedia que soldados negros (a maioria dos soldados eram negros) 
frequentassem bares onde estavam soldados americanos brancos, a PE 
americana entrava no bar e arrastava para fora os soldados negros. 
Isso gerou enorme conflito com o sistema judicial britânico que 
disse ser inaplicável no Reino Unido uma lei americana mesmo entre 
americanos, os juízes ingleses baterem de frente e impediram essa 
aberração, o fato é muito conhecido e mostrou como os americanos querem 
exportar suas leis para o mundo inteiro. 
Ao fim houve um protesto duríssimo do Rei Jorge VI que disse não 
admitir segregação racial no território inglês com guerra ou na paz. 
As tentativas de extensão de leis americanas para o resto do mundo 
podem ser resistidas e os próprios americanos esperam contestações a 
esses avanços, parece que o Brasil tem vergonha de contestar, talvez 
porque ache deselegante ou antipático, afinal se cumprirem direitinho as
 leis americanas serão elogiados e convidados para drinks no happy 
hour. 
O Governo do Brasil errou profundamente quando não reagiu 
liminarmente à prisão de Jose Maria Marin na Suíça. Mesmo com sua 
péssima folha corrida, Marin representava naquele evento e momento o 
país Brasil. Não poderia ser preso pelo FBI da forma que foi, sem 
qualquer protesto do Governo do Brasil, preso sem processo, sem 
condenação, sem acusação formal, com qual autoridade foi preso? 
 Detentor de passaporte brasileiro, alguma proteção esse passaporte 
deveria oferecer-lhe. 
Foi esse o primeiro ato de extrapolação jurisdicional do 
Departamento de Justiça, que passou batido e os estimulou a maior 
ativismo ainda. Lembro como a mídia brasileira soltou rojões com a 
prisão de Marin, sem perceber o princípio em jogo e não a pessoa de 
Marin. 
Quando se rompem princípios, os danos vem depois e é o que está 
acontecendo, agora os brasileiros tem que trabalhar, exportar muita 
carne para os EUA para gerar dólares para pagar multas indevidas ao 
Tesouro americano. 
O caso FIFA é emblemático. Os EUA não tem nenhum envolvimento com o
 futebol, mas percebendo que é o esporte de maior número de torcedores 
no mundo, sonham em controlar o "negócio" do futebol através de uma 
corporação com ações listada na Bolsa de Nova York. 
Como disse o cientista político Paul Boniface, presidente do 
Instituto Francês de Relações Internacionais, o que eles querem é o 
"negócio" da FIFA, todas as ações americanas tem no final um objetivo de
 "business", é da História americana, como disse o Presidente dos EUA na
 década de 20, Calvin Coolidge, o negócio dos EUA é "fazer negócio", 
está na alma do País para o bem ou para o mal, atrás de todo movimento 
há um objetivo econômico. 
Essa intromissão descarada e aberta do Governo americano nos 
interesses brasileiros nunca houve antes nessa forma tão esdrúxula.Faz 
lembrar o passado colonial dos juízes de capitulações em Shangai e em 
Alexandria, quando a China e o Egito, subjugados à potencias 
imperialistas, aceitavam juízes estrangeiros em seu território com 
jurisdição sobre causas onde estivessem envolvidos seus nacionais. 
No caso da Odebrecht e Embraer é ainda pior, não há americanos 
envolvidos nos casos de corrupção, como então admitir procuradores 
americanos processando causas onde não estão em jogo interesses dos EUA?
 Quem os chamou e porquê? Como é possível o Brasil, suas classes 
dirigentes, sociedade, forças aramadas, aceitarem essa jurisdição sobre 
interesses brasileiros, sem protestar ou, pior ainda, aceitando e 
gostando?