Profecia de um verão brasiliense
Acertos do governo são insuficientes
Não conterão aquecimento do clima político
Não conterão aquecimento do clima político
Nunca houve 1 verão como esse janeiro de 2017 em Brasília. Há
no ar da capital da República uma tensão inaudita, 1 clima de mormaço
abafado que prenuncia grandes tempestades no horizonte.
Na semana que passou houve Pollyannas de Palácio que saíram a público
para falar de campanhas publicitárias oficiais destinadas a disseminar
otimismo em razão da queda dos juros na taxa Selic e da notícia de 1
amansamento da taxa de inflação.
Foram, contudo, episódios pontualmente alvissareiros derivados de
acertos isolados da frente fiscalista do governo, mas incapazes de deter
o avanço do aquecimento global do clima político no país.
A Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes assemelham-se
às praias pré-tsunamis: o recuo surpreendente da maré fez crescer a
faixa de areia e há desavisados vendo ali uma oportunidade para caminhar
adiante no novo cenário. Quem olha no horizonte, contudo, vê o avanço
das ondas devastadoras. E elas virão.
Há notícia de 1 número sensivelmente elevado de policiais e delegados
federais, além de procuradores, trabalhando na cidade em época de
férias. Recalls de delações premiadas como as de executivos das
empreiteiras Camargo Correa e Andrade Gutierrez e mergulhos profundos
nas águas turvas das delações dos 77 acionistas e executivos da
Odebrecht podem explicar essa revoada de andorinhas nos céus do cerrado
brasiliense.
A desagregação evidente da base parlamentar que viabilizou a
deposição da presidente Dilma Rousseff e a ausência absoluta de novos
projetos nacionais de poder que antagonizem a raiz social do projeto
deposto, que mesmo carcomida pelos fungos da corrupção e pelo arrivismo
sindicalista conferiam sustentação e legitimidade ao governo anterior,
forçam o recrudescimento do pessimismo nos que miram o horizonte sem o
auxílio das bulas farsescas do Dr. Pangloss.
No mangue da política brasiliense sobram caranguejos –que andam para
trás e se escondem na lama para evitar a captura dos que lhes procuram
–e tornam-se cada vez mais escassos os vagalumes que insistem em
iluminar os buracos sombrios e escuros em que se metem os protagonistas
de ocasião. Caranguejos são áulicos. Vagalumes podem se revelar
profetas. Profetas do caos, mas profetas.
Em meio a tantos sinais patentes de que nunca houve 1 verão como esse
de 2017 em Brasília o ministro da Justiça parece apartado do mundo
real. Ante as chantagens tragicamente bárbaras que assolam o sistema
penitenciário e jurídico brasileiro, expondo corpos decapitados nas
sucessivas rebeliões executadas por facções criminosas, Alexandre de
Moraes assemelha-se a 1 delirante que assiste a Feios, Sujos e Malvados,
de Ettore Scola, mas sai do cinema jurando ter visto La La Land, o
musical contemporâneo de Damien Chazelle. Moraes é inepto, inapto e
precisa ser interditado. Os caranguejos, contudo, escondem isso do
chefe.
No recuo da maré os caranguejos também parecem ter invadido o
Congresso Nacional e sentem-se em casa no Salão Verde da Câmara dos
Deputados. Ali, onde se urdiu a queda do regime anterior sob o comando
de Eduardo Cunha, e onde se viabilizou a costura parlamentar responsável
por conferir trégua a Michel Temer e produzir vitórias legislativas que
deram fôlego ao atual regime mesmo sob o sol incinerador de reputações
da Lava Jato com Rodrigo Maia, há prenúncio de tempestade.
Maia deve vencer a disputa para o comando da Câmara. Mas a
ilegalidade de suas manobras eivará de ilegitimidade o novo mandato na
Presidência da Casa e isso o enfraquecerá no jogo parlamentar. O segundo
mandato dele será uma sombra pálida do primeiro e as concessões já
feitas para viabilizá-lo trarão, a médio prazo, mais problemas do que
soluções para o governo. Na lama do Congresso os vagalumes vêm sendo
vencidos pelos caranguejos. Maia não compreendeu ainda que a praia larga
por onde passeia hoje, exibindo seu caminhão de votos, é sinal dos
vagalhões do tsunami vindouro.
As Pollyanas palacianas aprenderão a decifrar os sinais –na marra, mas aprenderão.
A tensão social, hoje tão perceptível no ar de Brasília como o odor
de ozônio que corta a maresia em meio às tempestades litorâneas de
relâmpago, avisa: o desemprego, cuja escalada explosiva não se encerrou e
está longe disso seguirá em alta até maio, pelo menos e é o indicador
mais marcante a ser perseguido e debelado.
A queda da inflação é reflexo
da estagnação econômica e a redução da taxa de juro básico da economia,
mesmo bem-vinda, não será capaz de conter o deslocamento das calotas
políticas. Elas estão em rota de colisão. 1 desarranjo social poderá ser
o catalisador de todos os elementos que tornam pesado o ar de Brasília
nesse janeiro de 1 verão tão inusitado.
Quando o céu cair as andorinhas desse arremedo de profecia dirão que
fizeram verão. Os caranguejos morrerão afogados na lama. E os vagalumes
voarão para iluminar outras pontes sob a acusação de que só lançam luzes
para engenharias de obras feitas.
Foto de: José Cruz/Agência Brasil -
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