Leonardo Boff, o escritor e teólogo, vai direto ao ponto e mostra como o Brasil se tornou um brechó desses que vendem coisas usadas a preço de tostão de mel-coado em texto publicado originalmente pelo Jornal do Brasil Online e reproduzido em sites da Internet.
O desmonte da nação pelo
golpe parlamentar
Leonardo Boff
"Está em curso um desmonte da nação. Isto significa a implantação de um neoliberalismo ultraconservador e predatório que praticamente anula as conquistas sociais em favor de milhões de pobres e miseráveis", afirmou o teólogo e pesquisador Leonardo Boff.
Para ele, quanto mais se privatiza, mais se legitima o interesse particular em detrimento do interesse geral. Nessa lógica, além de se enfraquecer o Estado, o atual governo do Brasl está nos impondo "um killer capitalismo".
Um dos efeitos mais perversos do golpe parlamentar, destituindo com
razões juridicamente questionáveis pelos juristas mais conceituados de
nosso país e também do exterior, foi impor um projeto econômico-social
de ajustes e de modificações legais que significam um assalto ao já
combalido bem comum. O golpe foi promovido pelas oligarquias
endinheiradas e anti-nacionais que usaram um parlamento de fazer
vergonha por sua ausência de ética e de sentido nacional, que por ele
pretendem drenar para seu proveito a maior fatia da riqueza nacional.
Isso foi denunciado por nomes notáveis como Luiz Alberto Moniz Bandeira,
Jessé Souza, Bresser Pereira, entre outros.
Está em curso um desmonte da nação. Isto significa a implantação de
um neoliberalismo ultraconservador e predatório que praticamente anula
as conquistas sociais em favor de milhões de pobres e miseráveis,
tirando-lhes direitos com referencia ao salário, ao regime de trabalho e
das aposentadorias além de reduzir e até liquidar com projetos
fundamentais como a Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Luz para
Todos, o FIES e outros institutos que permitiam o acesso aos filhos e
filhas da pobreza ao estudo técnico ou superior.
Mais que tudo, começou-se a leiloar bens coletivos como partes da
Petrobras e a colocação à venda de terras nacionais. A privatização
significa sempre uma diminuição do bem de interesse geral que passa às
mãos do interesse particular. Atacam-se ao que se chama hoje de
“direitos de solidariedade” que submete os interesses particulares ao
interesses coletivos e comuns.
Estão sendo erodidas as duas pilastras fundamentais que historicamente construíram o bem comum: a participação dos cidadãos (cidadania ativa) e a cooperação de
todos. Em seu lugar, a atual ordem imposta pelos que perpetraram o
golpe, enfatiza as noções de rentabilidade, de flexibilização, de
adaptação e de competitividade. A liberdade do cidadão é substituída
pela liberdade das forças do mercado, o bem comum, pelo bem particular e
a cooperação, pela competitividade.
A participação e a cooperação asseguravam a base do interesse e do
comum. Negados esses valores, a existência de cada um não está mais
socialmente garantida nem seus direitos afiançados. Logo, cada um se
sente constrangido o garantir o seu. Assim surge um individualismo
avassalador, acolitado por ondas de ódio, de homofobia, de machismo e de
todo tipo de discriminações.
O propósito dos atuais gestores, já reconhecidos como incompetentes,
alguns até imbecilizados é: o mercado tem que ganhar e a sociedade deve
perder. Ingenuamente creem ainda que é o mercado que vai regular e
resolver tudo. Se assim é por que vamos construir o bem comum?
Deslegitimou-se o bem-estar social e o bem comum foi enviado ao limbo.
Mas cabe denunciar: quanto mais se privatiza mais se legitima o
interesse particular em detrimento do interesse geral além de
enfraquecer o Estado, o gerenciador do interesse geral. Estão nos
impondo um killer capitalismo. Quanto de perversidade
social e de barbárie vão aguentar os movimentos sociais, aqueles que da
pobreza estão sendo jogados para a miséria, os partidos de raiz popular e
a inteligentzia brasileira com sentido de nação e de soberania de
nosso pais?
Mas esclareçamos o conceito de bem comum. No plano infra-estrutural o
bem comum é o acesso justo de todos aos bens comuns básicos como à
alimentação, à saúde, à moradia, à energia, à segurança e à
comunicação. No plano social é a possibilidade de levar uma
vida material e humana satisfatória na dignidade e na liberdade num
ambiente de convivência pacífica.
Pelo fato de estar sendo desmantelado pela atual ordem injusta, o
bem comum deve agora ser reconstruído. Para isso, importa dar hegemonia à
cooperação e não à competição e articular todas as forças comprometidas
com o interesse geral a resistir, a pressionar e a ganhar as ruas.
Por outro lado, o bem comum não pode ser concebido
antropocentricamente. Hoje desenvolveu-se a consciência da
interdependência de todos os seres com todos e com o meio no qual
vivemos. Nós enquanto humanos, somos um elo, embora singular, da
comunidade de vida e responsáveis pelo bem comum também desta comunidade
de vida. Não podemos vender nossas terras nem deixar de delimitar os
territórios indígenas, os donos originários de nosso país nem descuidar
do desmatamento desenfreado da Amazônia como está ocorrendo agora.
Nós humanos, possuímos os mesmos constituintes físico-químicos com os
quais se constrói o código genético de todo o vivente. Dai se deriva um
parentesco objetivo entre todos os seres vivos como o tem enfatizado o
Papa Francisco em sua encíclica sobre a ecologia integral. Por isso
cuidar e defender a natureza é cuidar e defender a nós mesmos, pois
somos parte dela. Em razão desta compreensão o bem comum não pode ser
apenas humano, mas de toda a comunidade terrenal e biótica com quem
compartimos a vida e o destino.
Cooperação se reforça com mais cooperação, pois aqui reside a seiva
secreta que alimenta e revigora permanentemente o bem-comum, atacado
pelas forças que ocuparam o Estado e seus aparelhos no interesse de
poucos contra o bem comum de todos os demais.
Leonardo Boff é articulista do JB on line e escreveu: De onde vem? o Universo, a Terra, a vida, o espírito, Mar de Ideias, Rio.
É um bom registro para a História...
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